Por Mara Paraguassu
É de espantar como tanta gente se admira ainda – passados dois dias da sessão do impeachment – do comportamento dos deputados federais que, ao microfone, anunciaram o voto não sem antes dedicar o dia histórico à mãe, à família, aos filhos, eleitores, ao marido e a toda sorte de deferências, usando Deus como se árbitro fosse do julgamento final da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados.
A indignação nas redes sociais corre solta, mas nelas poucos lembraram que na ribalta legislativa do dia D em que as gaiatas, inusitadas e despropositadas menções deram o ar da graça, ali estavam parlamentares escolhidos pelo voto do povo como sempre foram, do quilate e do nível demonstrado, desde sempre. Piorando a cada legislatura, no que acato profecia de Ulysses Guimarães.
São eles a radiografia da sociedade brasileira, heterogênea, descalibrada culturalmente, imperfeita na ética que aponta sem piedade o delito do próximo mas nas contradições cotidianas esbanja desregramento tal que fica difícil acreditar na sinceridade das reprimendas virtuais dos últimos dias.
Como também é difícil dar crédito a apoiadores da presidente Dilma, dentro e fora do PT, no meio artístico, nos movimentos sociais, que soltaram o cachorro nos parlamentares de correntes partidárias menores e graúdas, a exemplo do PMDB, com quem o governismo firmou condomínio agora rompido.
O que eles fizeram na última década para se apartar de políticos como Sarney, Collor, Paulo Maluf, Valdemar Costa Neto, Renan Calheiros, Eduardo Cunha e muitos outros, com quem dividiram nacos de poder, fatiados com ampla generosidade graças aos recursos surrupiados da Petrobras, estatais e fundos de pensão? Como pode o PT exigir lealdade e atirar pedra na sua longeva base de sustentação política, fluída e desgovernada, com quem se acumpliciou nos esquemas de corrupção que chocam o Brasil?
Quem não tem lealdade a sua história não pode apelar à vitimização, dizendo-se traído por sacripantas e condenado por um golpe. Pulando cirandinha como diz o amigo Carlos Sperança com a oligarquia política e econômica do país, o PT fez a opção que sempre fizeram todos os partidos, renegando causas e abandonando os movimentos sociais.
É de indignar, também, ver deputados sabidamente corruptos ao microfone bradarem “pelo fim da corrupção” e “pela minha pátria e minha cidade”, delas desviando dinheiro da saúde e da educação. E o papelão de Jair Bolssonaro e Jean Willys? Pela projeção para o bem e para o mal de ambos, já alcançadas na opinião pública, contribuíram outra vez para achincalhar a imagem da Câmara dos Deputados.
O bom de todo esse espanto é verificar a presença dos que estão tomados por honesta indignação, especialmente a juventude, ligados a cada passo da política nacional, antes prato indigesto em uma nação onde a alegria desmedida insinua alienação, imperando o gosto pelo futebol, pela mulata e carnaval.
Essa indignação que chega inclusive de forma organizada em projetos virtuais como o Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua deve somar forças à sobriedade, felizmente existente no Congresso Nacional, nos executivos estaduais e no Judiciário, para que as paixões radicalizadas e insensatas que permeiam a disputa pelo poder não transformem o Brasil na eterna pátria do improviso e do adiamento das mudanças verdadeiras, emancipatórias, não implementadas em treze anos de petismo.
Indignação e sobriedade para nortear investigações que precisam ir fundo, sem interrupção sob o peso do interesse político de plantão, atingindo indistintamente todos que precisam prestar contas à população, sejam do PT, PSDB, PMDB, PP e qualquer outro partido.
Ressentimento
Repórter do jornal “o Estado de São Paulo”, Ricardo Galhardo contou no programa “Fatos e Versões”, da Globo News, que dois deputados petistas não estenderam a mão ao colega Weliton Prado, ex-PT, agora do PMB de Minas Gerais. Puro ressentimento. Prado votou pelo impeachment.
* Mara Paraguassu é jornalista desde 1989 e escreve sobre política, Amazônia, cidadania
Email: maraparaguassu1@gmail.com