Ser criança em Brasília, sem SobraDisney nem passe livre

Existem todas as reservas quanto a um governo que se inicia: de que as novas autoridades não estão habituadas à imprensa, à esfera pública, à vigilância da oposição. Existe tudo isso. E existe a SobraDisney. Porque não se pode isentar alguém que envolve a imagem de um governador como Ibaneis Rocha (MDB) em algo tão carente de nexo quanto a possibilidade surreal de o primeiro Parque da Disney na metade sul do mundo ser aberto em Brasília – para ser mais específico, em Sobradinho.

É regra número um do manual do assessor político: não faça nada em nome da autoridade maior que a exponha ao ridículo, que renda piada ou que fuja ao bom senso. É como, por exemplo, o candidato a presidente cuja principal bandeira é um “aerotrem”. A proposta é irrealizável. É risível. Piada. Levy Fidelix, presidente nacional do PRTB, partido do vice-presidente Antônio Hamilton Mourão, pode até ter boas ideias. Ou pode até ter ideias. Ou pode até ter alguma ideia. Mas nunca vai ser levado a sério porque para toda a eternidade será o candidato do “aerotrem”.

Que Ibaneis dê puxão de orelha em seus secretários. Reunião para tratar da turma do Mickey tem mais potencial pra piada que pra boa notícia. Sempre. O governador não merece que seu capital político, seu caráter de novidade e seu viço eleitoral escorram pelas mãos como sorvete sob o sol do Cerrado.

Pior ainda que, lá dos Estados Unidos, a Disney mandou dizer que não vai rolar. Vejam bem: Pateta podia dizer que existe negociação, mas que está no início; Pluto poderia confirmar que a Disney foi procurada pelo GDF e que “se sente honrada com o interesse da capital brasileira”; Pato Donald poderia até não falar… nada. Mas, ao negar categoricamente, a empresa americana aconselha o GDF que não trate mais desse assunto. Xô Mickey Mouse!

Mas nem só de desgaste político vive a Brasília de Ibaneis Rocha. As crianças ficarão sem Disney, mas não vamos nos limitar a isso. Em meio ao começo do ano letivo, o Governo do Distrito Federal (GDF) teve a promissora ideia de cortar o passe livre dos estudantes da cidade.

É pra lá de simbólico que a cidade que se empenha por atrair um parque de diversões resolva cortar o subsídio para que as crianças vão à escola – e tudo isso, os dois fatos, concatenados em uma mesma semana chuvosa de fevereiro.

É mais simbólico ainda que um projeto de economia inferior a R$ 100 milhões por ano brote em uma cidade que olha, atônita, para o estádio de futebol mais caro da Copa de 2014, o Estádio Nacional, um elefante branco (ou verde-amarelo) que consumiu R$ 2 bilhões – ou seja, 20 anos com todos os estudantes brasilienses indo para a escola sem custo algum.

A obsessão pelo corte de gastos é positiva. Há muito em que cortar. Outras cidades são mais restritivas na concessão do passe livre aos estudantes, é verdade. E, cá entre nós: boa parte dos alunos de escola privada do Distrito Federal têm condições de pagar pela passagem.

O problema, de novo, é de imagem. O Brasil é um país onde as pessoas não gostam de estudar. Ou não podem. Ou não querem. Mas estamos em Brasília. Você já parou pra pensar que quando a Universidade de Brasília (UnB) foi fundada, em 1962, nem a Catedral da capital existia? Ou seja, o estudo está no DNA dessa cidade. Negar isso é atentar contra a tradição progressista de seu povo.

Muitos dizem que os estudantes “usam o passe livre para ir ao shopping, ao cinema, em vez da escola”. Amigo. Se um jovem recebe alguma vantagem na vida por uma condição qualquer, que seja a de estudante. Não de malandro. Nem de esperto.

Em tempo, o governo, num lapso de lucidez, enviou um projeto de lei mais ameno à Câmara Legislativa. Assim, todos os alunos da rede pública permanecem com a gratuidade do passe estudantil. Mas a imagem de Ibaneis, convenhamos, já desgastou sem necessidade.

*Adriano Barcelos é jornalista graduado na UFRGS, foi repórter e editor em jornais como Zero Hora, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, além de chefe de comunicação em assessorias de Brasília e Rio de Janeiro.

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