A narrativa fantástica

Por Felipe Fiamenghi

Em todas as civilizações, desde o início da humanidade, foram utilizadas substâncias que alterassem a percepção da realidade. Muitas delas, inclusive, eram consideradas místicas, pois permitiam que os homens “conversassem com os deuses”.

Também não faltaram lendas, folclores e narrativas fantásticas. Divindades poderosas, criaturas protetoras, Seres sobrenaturais… Tudo que pudesse nos criar a ilusão de que existe algo além daquilo que conhecemos.

Considerando a história humana e as dificuldades enfrentadas ao logo dos séculos, é totalmente compreensível. Em um mundo lotado de desafios e adversidades, a realidade pura e simples nem sempre (ou quase nunca) é um estímulo suficiente para seguir em frente.

O grande problema é que estas substâncias, invariavelmente, são raras e controladas. Dão, então, um imenso poder àqueles que as possuem. De xamãs a mafiosos; de sacerdotes a traficantes, todos, através dos alucinógenos, obtiveram controle social.

Com a informação não é diferente. Essa, talvez, seja a principal droga da modernidade.

Em um mundo com cada vez mais acesso às noticias, com as tragédias e mazelas humanas sendo bombardeadas, todo o tempo, para todas as pessoas, a alteração da percepção de realidade, para muitos, se faz extremamente necessária.

Não é difícil, portanto, “vender” uma narrativa fantástica. Se gastamos horas e horas assistindo filmes, lendo livros, jogando videogames, apreciando narrativas ficcionais de terceiros, é lógico, então, que a maioria de nós fica fascinada quando escuta um “conto de fadas” onde somos os próprios protagonistas.

A verdade não está escondida. Pelo contrário. Ela está aqui, na nossa frente. Somos nós que nos escondemos dela, todo o tempo. Ela é feia, incômoda, dolorosa; não é algo com o qual queremos conviver.

Para aceitamos a verdade, temos que entender que o mundo não é um lugar perfeito, que os nossos erros não são culpa de terceiros, que o “sistema” não está preocupado com o nosso bem-estar.

Temos que deixar a nossa soberba de lado e entender que somos animais e, portanto, na vida, o que vale é a sobrevivência do mais apto.

Não importa o quanto evoluirmos, instintivamente ainda estaremos “na selva”.

Por isso é tão difícil que um “viciado” aceite sair do seu delírio. Lá dentro, todos ficam acolhidos, governados por líderes benevolentes, cercados por heróis da justiça social. Não importa que tudo seja uma mentira. A ilusão é confortável, é segura.

E existem alucinações para todos os gostos, viciados em todas as ideologias. Alguns esperam que o Estado aja contra o Estado para diminuir o Estado; outros esperam que um herói, de farda engomada e coturno reluzente, venha nos salvar de nossas próprias escolhas; outros, ainda esperam que um regime genocida se torne a solução mundial, onde todos cantarão “Imagine”, de mãos dadas, sem fome, doenças ou crimes.

São pouquíssimos os que conseguem se reabilitar. Quando abandonamos o mundo cor-de-rosa, com nuvens de algodão doce, onde unicórnios dourados peidam arcos-íris, damos de cara com um mundo cinza, sem nenhuma magia, sem nenhum encanto. As crises de abstinência são fortíssimas.

Quando percebemos que, no mundo real, temos que arcar com as responsabilidades dos nossos próprios atos; que não existem filantropos benevolentes cuidando de nós; que os “salvadores”, nos quais sempre confiamos, são os maiores interessados em perpetuar os problemas que nós jurávamos que eles resolveriam, fazemos de tudo para voltar ao conforto da ilusão, deitados em posição fetal e cobertos com a mentira até o pescoço.

Como bons viciados, entregamos tudo por mais um “tapinha”, mais uma “viagem”. Até a nossa liberdade.

 

 

 

 

 

Felipe Fiamenghi é jornalista e empresário.

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