Por Felipe Fiamenghi
Parei o carro em um estacionamento escondido e fiquei aguardando, de janelas fechadas, a última pessoa subir. O segurança, um rapaz magro, um pouco mais novo que eu, virou as costas e fingiu que não me viu entrar no prédio. Desci dois lances de escadas, iluminados apenas pela pouca luz natural que entrava, e cheguei a um corredor escuro e silencioso. Sozinho, na penumbra, caminhei até o estabelecimento e bati três vezes na porta. Uma mulher mascarada abriu uma fresta, mantendo o corpo escondido, e me indicou com o dedo para que subisse outra escada, até um mezanino cuja única janela estava completamente coberta por uma cortina grossa e preta.
Era estranho estar naquela situação, fazendo algo escondido, proibido, com a sensação de ser vigiado, mas a necessidade era maior; eu precisava daquilo. No fim da segunda escada, encontrei uma outra porta, já entreaberta. Cumprimentei o dono do estabelecimento com um soquinho na mão e ele me mandou sentar na cadeira.
Até que enfim consegui cortar o cabelo! Parecia que eu estava com um Poodle deitado na cabeça. Na volta pra casa, já de noite, passei por uma avenida central, conhecida pela prostituição de mulheres e transexuais. Na minha frente, uma viatura rondava devagar, com o giroflex ligado, e era acompanhada pelo olhar das profissionais da noite, que ocupavam tranquilamente seus pontos. Resolvi mudar a rota e adentrar em outra avenida, que já não estava no meu caminho mas é famosa pela venda de entorpecentes.
Percorri seus vários quilômetros e pude ver, em cada esquina, os “olheiros” posicionados, sentados nas calçadas e apoiados nos muros, indicando que o “comércio” estava em pleno funcionamento.
Decepcionado, indignado, mas assustadoramente crédulo no que via, chacoalhei a cabeça, aumentei o volume do som e voltei pra casa, com a certeza de que, na realidade pandêmica, o único trabalho ilegal é o honesto.