O polêmico voto impresso tem apoio também na esquerda

Tema de comentários efusivos do presidente Jair Bolsonaro, a proposta de instituição do voto impresso, foi um dos temas centrais em Brasília nas últimas semanas. Com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi instalada na Câmara a comissão especial que deve analisar a Proposta de Emenda à Constituição 135/19, de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF). O presidente da comissão é o deputado Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), que anteriormente foi relator da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

De acordo com Martins, na comissão especial, o clima é de otimismo pela aprovação. Segundo ele, a alta polarização política pode ter impulsionado a ideia mesmo entre opositores do governo.

“Eu vejo que muita gente que tinha uma resistência inicial e que já aceita hoje fazer um debate consciente. Setores da esquerda mesmo já defendem abertamente o voto impresso – temos o nosso vice-presidente na comissão, Pompeo de Mattos, do PDT”, pontua.

Segundo o presidente da comissão, um dos desafios dos deputados que defendem o tema é desvincular a proposta da figura de Bolsonaro, principal defensor do tema. “Bolsonaro vai passar e o sistema eleitoral vai permanecer”, argumenta.

Sigilo do voto

Uma das maiores críticas feitas por quem não concorda com a implementação do voto impresso é sobre a possibilidade de quebra do sigilo, o que poderia ser usado para pressionar eleitores a votar em candidatos específicos. Martins descarta essa possibilidade. Ele explica que o projeto prevê mecanismos para que o sigilo seja preservado.

“Em hipótese alguma o documento impresso poderá ser levado para fora da sessão eleitoral. Isso seria um absurdo. Não se trata disso. Em nenhum momento isso foi citado e ninguém da comissão vai vir com esse tipo de ideia. Está absolutamente fora de questão”, explica.

A PEC 135/19, prevê que o comprovante impresso possa ser checado pelo eleitor antes de ser depositado automaticamente em uma urna, sem que seja tocado.

Resistência no Judiciário

Um dos principais críticos da proposta é Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A corte lançou no começo do mês uma campanha publicitária sobre a confiabilidade do sistema eleitoral. “O sistema é totalmente transparente e auditável, do primeiro ao último momento”, diz Barroso no vídeo.

Para o presidente da Comissão Especial do Voto Impresso, é papel de Barroso defender o sistema eleitoral usado hoje, mas destaca que o tema também será discutido com o judiciário.

Confira a entrevista completa:


O senhor vê muita resistência à pauta do voto impresso?

Eu acho normal que exista resistência. Qualquer assunto na Câmara vai ter. Nada ali parte do consenso. Ali, o consenso é construído. A formação de maioria é construída. Eu não vejo isso como um problema “não natural”. Eu vejo que muita gente que tinha uma resistência inicial, já aceita hoje fazer um debate consciente. Setores da esquerda mesmo já defendem abertamente o voto impresso – temos o nosso vice-presidente na comissão, Pompeo de Mattos, do PDT. Essa esquerda histórica tem um trauma de contagem de votos por conta da eleição do Brizola no início dos anos 80, então a transparência, segurança, a hipótese de auditoria e recontagem é pra eles um tema muito caro. Então isso nos mostra que há sim condições de fazer uma pauta suprapartidária, porque em sua natureza, ela é.

Na esquerda também há quem entenda que apoiar o voto impresso seria dar o braço a torcer para Bolsonaro.

Isso acontece e atrapalha muito – transferir a tensão entre governo e oposição para uma pauta que é suprapartidária. Então há um cuidado dos envolvidos. Há um cuidado do relator, Filipe Barros (PSL-PR), e há um cuidado meu, que fui relator da CCJ.

Na CCJ a gente conseguiu demonstrar que a pauta não tem relação com bolsonarismo. É uma coincidência ele defender essa pauta. Nós estamos falando em dar condições para que o brasileiro não desconfie do seu sistema eleitoral. Uma população que desconfia do sistema eleitoral coloca em risco a legitimidade dos mandatários. Seria a destruição de todo o castelo institucional da Democracia. Isso que temos que demonstrar para as pessoas – para que seja um debate com pé no chão, bola no chão. Bolsonaro vai passar e o sistema eleitoral vai permanecer.

Nesta pauta, temos alguma resistência no Judiciário. Tem se mantido alguma conversa com o STF e o TSE?

Eu acho natural que o ministro Barroso, presidente do TSE, faça a defesa que faz. É o sistema que ele tem e é o sistema que ele tem que defender. A minha discussão não é se há fraude ou não. Essa não é a questão. A questão é que o Brasil tem que confiar no sistema e uma parte da sociedade hoje desconfia. Isso é ruim. A gente não pode brincar com isso. O tribunal vai ser convidado a participar do debate, com toda certeza. Também pretendo conversar com o ministro Barroso para poder demonstrar a ele que essa é uma discussão legítima e apropriada. Tem gente responsável discutindo isso de todos os lados. Esse debate não pode ser interditado – o que colocaria ainda mais tensão social, ainda mais no setor que questiona o sistema puramente eletrônico.

Será possível aprovar esse projeto para que tenha validade em 2022?

Como é uma PEC temos um rito mais complexo, por isso o trabalho tem que render. Temos planejado nos reunir pelo menos duas vezes por semana, mas a ideia é trabalhar intensamente, mas não atropelar a discussão.

O voto impresso não coloca o sigilo do voto em risco?

O que o texto prevê é que exista uma contraprova física do voto, que fica sob a guarda do TSE, que organiza a eleição, para caso seja necessária uma auditoria. Em hipótese alguma o documento impresso poderá ser levado para fora da sessão eleitoral. Isso seria um absurdo. Não se trata disso. Em nenhum momento isso foi citado e ninguém da comissão vai vir com esse tipo de ideia. Está absolutamente fora de questão.

Já tem alguma conversa com o Senado?

Temos conversado. Há alguns senadores que também defendem essa tese. No decorrer da comissão vamos tentar envolver esses senadores para ir ajudando na maturação do tema no Senado, seja para aprovar ou para rejeitar. Nosso papel é fazer com que o tema seja discutido para que os parlamentares possam formar suas próprias opiniões.

Também há uma discussão sobre os custos da implantação do voto impresso. O que o senhor acha disso? É uma discussão que será feita na comissão especial?

Claro que a execução das novas regras vão estar em debate na discussão, mas, para mim, é questão absolutamente lateral. Custo mesmo é uma democracia sob desconfiança. Qualquer custo que a gente vá empregar para que as pessoas tenham plena confiança no voto, está barato.

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