Por Simone Leite
Sou contra o uso indiscriminado de música em documentário. Grande parte das vezes, ela acaba sendo usada para manipular de modo fácil e rasteiro a emoção do espectador. É o caminho mais curto e seguro. A safra atual de documentários investigativos da Netflix abusa desse artifício. A minissérie documental “Elize Matsunaga – Era Uma Vez Um Crime” não foge à regra.
A trilha musical e a fotografia limpinha das entrevistas, por exemplo, ambas combinadas com outros recursos narrativos e de linguagem, têm a “nobre” função de humanizar uma pessoa que matou e esquartejou outra — e não importa se o esquartejado tinha uma conduta execrável. Há também uma reverência um tanto lamentável por parte da equipe de filmagem à sua protagonista. Isso fica patente logo no início do primeiro episódio, um pouco antes da entrevista dela começar. Dão a Elize o tratamento de uma estrela de cinema. Nem parece uma ré confessa condenada pela justiça. Tratar a assassina com respeito é uma coisa; outra bem diferente é tratá-la com veneração.
A minissérie quase omite o esquartejamento. Pouco se fala dele. O horror absoluto levado a cabo por Elize. Para um filme que parece ter um lado, o esquartejamento é um problema que deve ser varrido para debaixo do tapete, não é? Indagado pela diretora sobre o desmembramento do corpo, um dos advogados de defesa diz com naturalidade: “Porque ela precisava tirar ele do apartamento. Como ela tiraria o corpo do apartamento sem esquartejar?”.
Não chamaria a série de documental, mas sim de peça de propaganda. Para mim, parece mais um instrumento de promoção dela própria, da Elize, e dos seus advogados de defesa. Aliás, que trabalho é esse… defender o indefensável.