Protestos massivos em São Paulo criticam o STF e pedem impeachment de Alexandre de Moraes, enquanto Brasília assiste a um desfile tímido. O que explica a crescente insatisfação popular?
*Por João Renato
No último 7 de setembro, data que tradicionalmente celebra a independência do Brasil, o país presenciou um contraste marcante entre dois eventos políticos: o desfile oficial na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e a manifestação popular na Avenida Paulista, em São Paulo. Enquanto a Esplanada foi palco de um evento esvaziado, com público muito abaixo do esperado, a Avenida Paulista foi tomada por uma multidão expressiva. A diferença entre os dois cenários revela não apenas uma divisão política, mas também a tensão crescente entre os que defendem uma renovação na política brasileira e aqueles que buscam preservar o status quo.
O embate entre o establishment e os outsiders
A manifestação na Avenida Paulista foi marcada pela presença de importantes figuras políticas da direita, como o ex-presidente Jair Bolsonaro, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e diversos deputados e senadores conservadores. Presença que chamou muita atenção foi a do candidato a prefeito de São Paulo, Pablo Marçal. Essas figuras, como Bolsonaro e Tarcísio, mesmo que antigos no jogo político, estimulam o discurso da nova política e o fim dos privilégios para os “donos do poder”.
O ato na paulista foi visto como um protesto contra o que muitos consideram ser uma aliança do establishment político e judiciário para conter o avanço de novos atores políticos – os chamados outsiders. Desde a eleição de 2018, esses outsiders, representados por figuras que se distanciam da política tradicional, têm desafiado o poder estabelecido, provocando reações intensas dentro das instituições.
No centro dessa batalha está o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que se tornou protagonista no cenário político recente. Moraes, que acumula as funções de relator dos processos de “fake news” e “milícias digitais” no STF, tem sido alvo constante de críticas por sua atuação impetuosa no combate ao que ele chama de extremismo populista. Na semana anterior às manifestações, durante uma palestra na Universidade Mackenzie, Moraes destacou que as redes sociais, embora sejam ferramentas poderosas, estão sendo utilizadas de maneira “extremamente competente” por grupos que ele classificou como “populistas extremistas” para minar a democracia. Para ele, as plataformas deveriam ser responsabilizadas pelas publicações dos usuários, mas enquanto isso não ocorre, o Judiciário deve agir para proteger a sociedade de discursos de ódio.
No entanto, críticos apontam que a postura de Moraes extrapola suas funções, transformando o STF em um árbitro do debate político no Brasil, especialmente nas redes sociais. A expressão “discurso de ódio”, frequentemente usada pelo ministro, não tem previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro, o que levanta questionamentos sobre a legitimidade de suas ações. Decisões como a derrubada de perfis em redes sociais e o bloqueio da plataforma X (antigo Twitter) no Brasil, vistas por alguns como medidas para proteger a democracia, são encaradas por outros como censura e cerceamento da liberdade de expressão.
A manifestação e as críticas ao STF
O ato na Avenida Paulista foi, em grande parte, uma resposta às recentes decisões de Moraes e do STF. Discursos inflamados de deputados como Nikolas Ferreira e senadores como Magno Malta, além de figuras como o jornalista americano Michael Shellenberger, denunciavam o que chamam de uma “ditadura do Judiciário”. Nikolas Ferreira, em seu discurso, acusou Moraes de ser um “tirano”, alegando que o ministro tem sido implacável ao punir participantes dos atos de 8 de janeiro de 2023, enquanto mantém uma postura branda diante do crime organizado. O deputado chegou a sugerir que Moraes deveria ser chamado de “Mimado de Moraes” por, segundo ele, prender aqueles que discordam de suas decisões.
Shelenberger, conhecido por seu trabalho no “Twitter Files”, criticou duramente a postura do ministro e do presidente Lula, chamando-os de “ditadores” por violarem leis e inventarem outras para atacar seus inimigos políticos. Em seu discurso, o jornalista defendeu a liberdade de expressão e alertou para os perigos da censura imposta pelo governo e pelo Judiciário brasileiro.
O ex-procurador e ex-deputado Deltan Dallagnol também participou do evento, criticando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, por não dar andamento aos pedidos de impeachment de Moraes. Segundo Dallagnol, se o Senado não agir, será igualmente culpado pelos “arbítrios” que estão ocorrendo no Brasil. O deputado Marcel Van Hattem, que também discursou no ato, reiterou a importância da pressão popular para forçar os senadores a levar adiante o processo de impeachment contra Moraes.
O papel de Bolsonaro e a mobilização da direita
Embora debilitado por um quadro gripal, Jair Bolsonaro participou ativamente do evento, acompanhado pelo governador Tarcísio de Freitas. Em seu discurso, o ex-presidente exaltou as conquistas de seu governo, como a reforma da previdência e a independência do Banco Central, e expressou saudades de seu tempo no poder. Tarcísio, por sua vez, reforçou seu apoio a Bolsonaro, destacando que o ex-presidente deixou um legado importante para o país e clamando pelo seu retorno ao cenário político.
A manifestação na Avenida Paulista também foi marcada pela presença de símbolos como bandeiras de Israel, o logotipo da rede social X e, claro, bandeiras do Brasil, usadas pelos manifestantes para expressar seu apoio à liberdade de expressão e suas críticas ao STF. Entre os participantes, destacava-se o ator Beckembauer da Silva Santos, que se vestiu como uma águia da liberdade amordaçada, simbolizando a repressão à liberdade de expressão no Brasil.
As repercussões internacionais e o futuro do debate
A mobilização em São Paulo não passou despercebida pela comunidade internacional. O embate entre Alexandre de Moraes e Elon Musk, proprietário do X, gerou grande repercussão fora do Brasil, com veículos como o Washington Post classificando as decisões de Moraes como autoritárias. A proibição do X e o bloqueio de contas da direita nas redes sociais foram vistos como ataques à liberdade de expressão, o que levou um grupo de advogados conservadores dos Estados Unidos a enviar uma carta à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), pedindo intervenção no Brasil.
Com o crescente apoio popular à pauta de impeachment contra Moraes e a pressão sobre o Senado, o 7 de setembro de 2024 mostrou que a divisão política no Brasil está longe de se resolver. Enquanto o STF e o governo tentam controlar a escalada do extremismo e das fake news, figuras da direita e seus apoiadores nas ruas pedem uma maior liberdade de expressão e acusam o Judiciário de atuar como um censor.
A forte tensão política e as movimentações do STF têm amplificado o cenário de disputa para as eleições municipais deste ano, nacionalizando o debate político. Com o fortalecimento dos candidatos de direita, é provável que ocorra uma reação em massa contra a esquerda. O desfecho das eleições de 2024 promete ser decisivo e pode moldar significativamente o panorama para 2026.
O Brasil parece estar caminhando para um embate ainda mais profundo sobre os limites da liberdade, o papel das instituições e o futuro da democracia. E, se depender das ruas, esse debate está apenas começando.
João Renato B. Abreu, Policial Penal – DF, mestre em direito e políticas públicas, pós-graduado em direito penal e controle social, coordenador do Novas Ideias em Segurança Pública (NISP), faixa preta de jiu jitsu e autor do livro: Plea Bragaining?! Debate legislativo – Procedimento abreviado pelo acordo de culpa.