Segurança ou Violação de Direitos?
*Por João Renato
O governo brasileiro informou no sábado (25/1) que cidadãos brasileiros foram algemados durante um voo de deportação de imigrantes ilegais dos Estados Unidos. Com a posse do novo presidente, Donald Trump, nesta semana os EUA começaram a deportar imigrantes sem permissão para permanecer no país, cumprindo uma das principais promessas de sua campanha eleitoral.
O desembarque de 88 brasileiros vindos dos Estados Unidos em Manaus reacendeu discussões sobre práticas de segurança internacional, direitos humanos e soberania nacional. O episódio, marcado pelo uso de algemas nas mãos e nos pés dos deportados, coloca em confronto as abordagens do governo americano e do brasileiro sobre o tratamento dos imigrantes.
Contexto e Controvérsia
Imagens dos deportados algemados nos pés e mãos ao desembarcar em solo brasileiro geraram forte reação pública, com críticas de autoridades e defensores dos direitos humanos, que classificaram a prática como desrespeitosa à dignidade dos envolvidos. A cena também provocou uma resposta do Itamaraty, que anunciou que cobraria explicações do governo norte-americano por uma possível violação de acordos bilaterais. O governo brasileiro, por sua vez, classificou o episódio como um “desrespeito aos direitos fundamentais”. Em resposta, Washington reafirmou que o uso de algemas é indispensável para evitar conflitos ou mesmo tentativas de sequestro durante voos.
Enquanto isso, parte da mídia tentou vincular o episódio às políticas migratórias do atual presidente Donald Trump, que recentemente declarou intensificar o combate à imigração ilegal. No entanto, a verdade dos fatos aponta para uma questão anterior: a política de deportação está atrelada a um acordo firmado em 2018, durante o governo Temer. E após esse acordo, durante a gestão de Joe Biden, 7.168 brasileiros foram deportados, número superior ao registrado nas administrações Obama e Trump. Trata-se, portanto, de uma prática que transcende administrações específicas, sendo aplicada como parte de um protocolo de cooperação internacional entre os dois países.
Segurança vs. Direitos Humanos
O uso de algemas em deportações é prática padrão em vários países, incluindo os Estados Unidos, onde é vista como medida preventiva e não punitiva. O objetivo principal é minimizar riscos à segurança de todos os envolvidos, incluindo agentes, passageiros e os próprios deportados.
No Brasil, no entanto, as algemas possuem uma forte carga simbólica, frequentemente associada à condenação criminal e à humilhação pública. Essa percepção cultural é reforçada pela Súmula Vinculante 11 do STF, que restringe seu uso a casos de resistência, risco de fuga ou ameaça à integridade física, exigindo justificativa por escrito da autoridade policial.
A questão ganhou maior destaque no Brasil após o debate jurídico envolvendo o uso de algemas em figuras públicas durante a operação Mensalão. Na ocasião, as imagens geraram questionamentos sobre o equilíbrio entre segurança, exposição midiática e respeito à dignidade.
Análise Crítica e Jurídica
O incidente em Manaus expõe uma divergência entre práticas internacionais e sensibilidades locais. Enquanto as autoridades norte-americanas consideram as algemas uma medida técnica e preventiva, no Brasil o gesto foi interpretado como afronta à soberania e desrespeito à dignidade dos deportados.
Legalmente, os Estados Unidos possuem prerrogativa de assegurar a segurança durante o transporte até a entrega formal dos deportados às autoridades brasileiras. Contudo, um ponto crítico emerge: em que momento a jurisdição americana termina e a brasileira se inicia?
Idealmente, as algemas deveriam ser removidas assim que os deportados estivessem sob custódia brasileira, marcando simbolicamente o fim da missão dos agentes norte-americanos e respeitando as normas locais, porém, para a partir do momento em que eles entram em espaço aéreo internacional, vale o direito internacional. E isso não é permitido fora do solo norte-americano. O procedimento padrão seria apenas os embarcar e o país receptor recebê-los nos moldes da sua legislação, pois, inicialmente, eles não cometeram nenhum crime aqui no Brasil.
Reflexões Sobre o Debate Migratório
Declarações como a de Karoline Leavitt, porta-voz da Casa Branca, reforçam a postura firme dos EUA: “Se você entrar ilegalmente nos Estados Unidos da América, enfrentará consequências severas.” O presidente Donald Trump afirmou na sexta-feira (24) que a “deportação está indo muito bem”.
Considerações Finais
Este incidente nos convida a uma reflexão mais profunda sobre o uso de algemas, é crucial que evitemos uma narrativa simplista de vitimização. O uso de algemas em processos de transporte aéreo de detidos é uma prática global padrão, não direcionada especificamente contra brasileiros. Nossa reação a este incidente deve ser pautada por uma compreensão mais ampla das práticas internacionais de segurança, sem fragilizar os nossos valores e soberania.
Em última análise, este debate nos desafia a encontrar um equilíbrio entre segurança, dignidade humana e respeito mútuo nas relações internacionais – um desafio que vai muito além do uso de algemas em um voo de deportação.
Em suma, o episódio ressalta a importância de uma análise equilibrada sobre a aplicação de protocolos internacionais de segurança, levando em conta tanto a necessidade de proteger a integridade dos envolvidos quanto as diferenças culturais que permeiam o tema. A algema, longe de ser um símbolo de condenação, é uma ferramenta essencial em qualquer operação que envolva a custódia de indivíduos – algo amplamente aceito em práticas policiais globais, mas que ainda enfrenta resistências no Brasil.
* João Renato B. Abreu, Policial Penal – DF, mestre em direito e políticas públicas, pós-graduado em direito penal e controle social, coordenador do NISP – Novas Ideias em Segurança Pública, faixa preta de jiu jitsu e autor do livro: Plea Bragaining?! Debate legislativo – Procedimento abreviado pelo acordo de culpa.
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