Na política Pobre Não Gosta de Pobre

O condomínio da influência: dinheiro, desejo e voto

“Ao vencedor, as batatas.” — Machado de Assis

O desejo que organiza a fila

A sociedade funciona como uma grande fila de banco em dia de pagamento: ninguém quer ficar por último. O dinheiro, mais do que notas e números, vira bússola de desejo. Aproximar-se de quem tem — ou parece ter — é, para muita gente, tentar cortar caminho na fila. Daí nasce a lógica: a proximidade com a riqueza como atalho imaginário de ascensão.

O ouro que vira voto

Basta uma faísca de prestígio para que o dinheiro se transforme em poder conversível. Ele patrocina eventos, compra tempo, turbina visibilidade e financia competência. Em termos mais acadêmicos, é o capital econômico virando capital simbólico e político. O eleitor enxerga “eficiência” e “resolução” onde, muitas vezes, há apenas capacidade de mobilizar recursos.

O espelho quebrado da pobreza

Muitos dizem que “pobre não gosta de pobre”. A metáfora é cruel, mas ilustrativa: como num espelho quebrado, quando a vida racha a imagem, muita gente prefere mirar o vidro do vizinho rico, intacto e lustroso, acreditando que o reflexo emprestado melhora a própria figura. Não é ódio aos iguais; é pânico de permanecer igual. E essa lógica empurra o voto para quem exibe sinais de vitória antecipada — carro, palco, staff, holofote.

A igreja do networking

Vivemos um culto não declarado: o da rede certa. Estar perto de quem resolve virou indulgência moderna. Uma foto com o poderoso funciona como absolvição dos fracassos passados e promessa de milagres futuros. No íntimo do eleitor opera a lógica: se ele conseguiu resolver a vida dele, pode resolver a minha.

Palanque, romantismo e vitrine do pobre

Há ideologias que romantizam a pobreza como se fosse identidade estética, um quadro bonito para discurso e palanque. Mas quem é pobre quer sair do quadro. Entre o romance e o arroz com feijão, vence o prato quente. O paradoxo é que líderes que encenam a defesa do pobre acabam vivendo do pobre — e o ciclo se retroalimenta.

A estética da vitória

Na política, a estética pesa quase tanto quanto o conteúdo. Quem tem recursos aparece como vitrine, quem não tem vira estoque. O rico ocupa o horário nobre, o pobre briga por segundos. Isso não significa que o eleitor é tolo, mas que sua leitura é pragmática: sinais de vitória antecipam sensação de conquista, e sensação vira voto.

A exceção que confirma a regra

Existem casos em que o pobre vota no pobre. Lideranças que emergem da própria comunidade, conquistando símbolos, reputação e entrega real, quebram o padrão. Quando a oratória se transforma em pão, o eleitor retribui. Não é biologia, é estrutura: onde há organização, a origem pesa menos do que a capacidade de resolver.

Entre Euclides e Machado

O romantismo sobrevive, mas é mais literário do que real. Como lembrou Euclides da Cunha, “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”. A força popular resiste, mas quando o Estado falha, essa resistência se traduz em busca pelo atalho da riqueza. Já Machado ironizava que ao vencedor cabem as batatas — e, no caso da política, ao vencedor cabem também os votos.


Moral da história

Enquanto a escassez for regra, a riqueza continuará pesando no voto. Quem não tem ouro, mas quer disputar espaço, precisa virar proprietário da entrega: contínua, visível e verificável. O resto é discurso de palanque. Quem tiver ouvidos, que ouça.

Autor

Horas
Minutos
Segundos
Estamos ao vivo