*Por Marcelo Senise
No Brasil de 2026, a democracia já não é uma certeza: é uma linha tênue, traçada a cada nova rolagem de tela. Não vemos tanques nas ruas, mas exércitos de posts cuidadosamente planejados. As fake news já não são novidade — são rotina.
Enquanto isso, agentes ocultos, velhos e novos, usam a tecnologia para direcionar emoções, fabricar conflitos e diluir o senso de realidade coletiva.
Você percebeu como sua timeline mudou? Sente que as indignações vêm em ondas, organizadas misteriosamente? Você ainda reconhece as discussões à sua volta?
As próximas eleições vão além das urnas. Cada clique, silêncio ou compartilhamento tem peso — e todo descuido pode custar caro. Este não é apenas um manual para tempos sombrios: é um convite para olhar sem ilusões para o risco que corremos. Eis o roteiro prático de como perder uma democracia — passo a passo.
1. Normalize a mentira
Quando a verdade se torna apenas mais uma opinião e as fake news passam a figurar no cardápio diário, tudo é permitido. É assim que mentiras desprezadas em um dia viram verdades incontestáveis no outro. Na eleição americana de 2020, por exemplo, uma avalanche de desinformação digital sacudiu a confiança no resultado — e o Brasil segue flertando com a mesma tempestade.
2. Despreze a educação midiática
Se a verdade já é fluida, por que ensinar alguém a reconhecer manipulação? Ignorar a educação midiática entrega crianças, jovens e adultos a mercê dos engenheiros da mentira. Não conferir fontes virou “liberdade de expressão”.
3. Escolha o conflito, nunca o diálogo
Redes sociais prosperam no antagonismo. Questionar virou ataque. Discordar, traição. Por trás das telas, cresce a certeza de que o outro — sempre o outro — é o real inimigo.
4. Deixe a máquina agir sem freios
Algoritmos inteligentes sabem bem quais paixões alimentar. Eles aprendem rápido — e eles vendem. Seus interesses, seus medos, suas preferências políticas podem ser manipulados com poucos cliques, e você talvez nem note. As plataformas agradecem.
5. Ignore os sinais de intolerância
Primeiro são piadas, depois insultos, depois ameaças veladas. Quando perceber, o discurso de ódio já escalou e a democracia perdeu a imunidade. O Brasil já conhece os efeitos: minorias vulneráveis, ambiente polarizado, medo espalhado.
6. Aceite o autoritarismo disfarçado
Quem promete soluções fáceis pode soar tentador em tempos de crise. Mas, pouco a pouco, as promessas viram pressão contra instituições, contra a imprensa, contra a própria regra do jogo. O grito de “salvação” muitas vezes é apenas silêncio imposto.
7. Enfraqueça as instituições
Minimize o papel do Congresso, ataque o Supremo, ridicularize órgãos de controle. O “sistema” passa a ser sempre o vilão. Quando as instituições ruírem, só resta o arbítrio — e ele nunca é neutro.
8. Ignore a corrupção dos seus
“Só importa quando é contra mim”, pensam muitos. Assim, rachadinhas, dossiês e suspeitas mudam de cor conforme o lado. E a corrupção vai se tornando parte do ar que se respira.
9. Deixe a apatia vencer
Quando tudo cansa, nada mais mobiliza. O engajamento vira meme, o protesto diminui e, aos poucos, a cidadania se esvazia. O voto se transforma em fardo ou futebol de torcida. “De quem é a culpa?” O cidadão, cansado, já desistiu de perguntar.
10. Esqueça que democracia é ação diária
Nada se constrói no automático. Democracia não é serviço de streaming: exige atenção, cobrança, participação. E, principalmente, coragem para discordar, criticar e defender princípios quando os atalhos se multiplicam.
Entre ruínas e reconstrução, a escolha é agora
Democracias não caem com estrondo, mas com sussurros. Elas se perdem nos detalhes: nos silêncios, nos compartilhamentos irrefletidos, na indiferença coletiva. Em 2026, a história do Brasil será escrita muito além da cabine eleitoral. Ela será decidida na coragem de enfrentar mentiras, de resistir ao conforto da apatia e de defender princípios mesmo quando tudo parece perdido.
O tempo da escolha não é amanhã — é hoje. Os que vierem olhar para trás verão ruínas ou reconstrução? Porque, sem democracia, tudo o mais se perde.
Que a geração de 2026 não se dobre ao medo, à manipulação ou ao cansaço. Que seja, sim, lembrada como a que arriscou defender o futuro — e não como a que cruzou os braços diante do abismo.
A decisão pertence a todos nós. E a história, essa, jamais perdoa a omissão.
Marcelo Senise – Presidente do IRIA – Instituto Brasileiro para a Regulamentação da Inteligência Artificial, Sociólogo e marqueteiro político, fundador da Agência Social Play e CEO da CONECT IA, Especialista em inteligência artificial aplicada na Comunicação Política.
Twitter: @SeniseBSB | Instagram: @marcelosenise