Advogado que atuou na comissão que elaborou anteprojeto do novo Código Civil comenta avanços na legislação e na sociedade nas últimas duas décadas
O Código Civil Brasileiro, uma das normas mais essenciais que regem as relações privadas no país, completou 23 anos desde sua promulgação em 2002. Originalmente criado para substituir o Código de 1916, o atual código trouxe mudanças significativas à sociedade brasileira, adaptando-se a novas realidades sociais e econômicas. No entanto, dois anos depois de o Código de 2002 completar duas décadas de vigência, o debate sobre sua atualização voltou à tona, com um novo anteprojeto em tramitação no Senado. As transformações da sociedade, impulsionadas principalmente pela revolução digital e pelas mudanças nos valores familiares, evidenciam a necessidade de ajustes nas normas que regulamentam as relações pessoais, comerciais e jurídicas.
O advogado Carlos Vieira Filho, especialista em processo civil e um dos membros da comissão que elaborou o anteprojeto de revisão, destacou a necessidade de inovação nas áreas do direito digital, sucessões, família, garantias e questões empresariais. “Em 23 anos, a sociedade brasileira sofreu modificações profundas, o que exige uma resposta do ordenamento jurídico para as novas demandas”, afirmou Vieira.
Entre os principais pontos discutidos no anteprojeto estão a inclusão de questões tecnológicas, como o direito à proteção de dados e a regulamentação das interações com a inteligência artificial. A ausência de normas claras sobre contratos digitais e os desafios jurídicos relacionados aos bens digitais, como contas de redes sociais e arquivos na nuvem, são temas que têm ganhado relevância com o avanço da economia digital. A proposta busca conferir maior segurança jurídica, além de estabelecer responsabilidades claras em situações de danos causados por novas tecnologias.
O direito de família e sucessões também está sendo revisado. Um dos temas mais discutidos é a alteração nas normas relacionadas ao cônjuge sobrevivente na sucessão de bens. O anteprojeto propõe que o cônjuge deixe de ser herdeiro necessário, o que pode afetar as tradições de partilha de bens, especialmente quando há descendentes e ascendentes envolvidos. Por outro lado, o conceito de herança digital, que reconhece bens intangíveis como parte do espólio, também ganha destaque. As mudanças propostas trazem maior flexibilidade ao testador e buscam garantir que os bens digitais possam ser herdados, trazendo uma legislação mais moderna.
Outro aspecto fundamental da revisão é a maior proteção aos animais. O anteprojeto reconhece os animais como “seres vivos sencientes”, o que significa que, para além de bens móveis, terão uma proteção jurídica própria contra maus-tratos e exploração. Isso representa uma mudança significativa na forma como os animais são tratados legalmente no Brasil, estabelecendo responsabilidades mais claras e reforçando a legislação em defesa do bem-estar animal.
Em termos de família, o anteprojeto segue uma linha mais inclusiva, propondo a ampliação do conceito de família para contemplar diferentes arranjos familiares, como as uniões homoafetivas. Além disso, simplifica o processo de divórcio e casamento, permitindo que algumas modificações no regime de bens possam ser feitas diretamente em cartórios, sem necessidade de homologação judicial.
O debate sobre essas mudanças, no entanto, não está isento de controvérsias. Alguns temas, como o reconhecimento dos direitos dos animais e a definição de novos arranjos familiares, podem encontrar resistência em determinados setores da sociedade, refletindo questões ideológicas que precisam ser equilibradas no Congresso Nacional.
O projeto de revisão está tramitando no Senado desde abril de 2024, e especialistas como Carlos Vieira Filho acreditam que, devido à sua complexidade, o processo de discussão e aprovação é demorado, mas essencial para que as novas normas atendam às necessidades da sociedade contemporânea.
Ao completar 23 anos, o Código Civil de 2002 já se mostra desafiado pelas rápidas transformações sociais. É provável que em um futuro próximo novas atualizações sejam necessárias, refletindo a velocidade das mudanças tecnológicas, econômicas e culturais.