Déspota esclarecido? O curioso caso de El Salvador

Em 2024 El Salvador registrou apenas 114 homicídios, o que equivale a uma taxa de 1,9 por 100 mil habitantes — queda de 98 % em relação a 2015, quando eram 6.656 casos e taxa de cerca de 106 por 100 mil. Em 2019, primeiro ano de Bukele, a taxa foi de 38,0 por 100 mil. Esse resultado torna El Salvador, em 2024, um dos países com menor índice de homicídios da América Latina e até mais seguro que o Canadá e Reino Unido segundo avaliações externas.

O símbolo da política de segurança é o CECOT — Centro de Confinamiento del Terrorismo — uma prisão gigantesca inaugurada em 2023 para abrigar membros de gangues como MS‑13 e Barrio 18. É parte do regime de exceção iniciado em março de 2022, com mais de 85 mil prisões até março de 2025 e a maior taxa de encarceramento do mundo: cerca de 3 % dos homens no país presos. Entre os repórteres e organizações de direitos humanos, houve críticas específicas a centenas de mortes sob custódia, estimadas em cerca de 354 casos.

Historicamente, sistemas de poder centralizado precedem democracias maduras. Inglaterra e França passaram por séculos de unificação territorial e fortalecimento estatal — reis como Alfred e depois os monarcas absolutistas franceses consolidaram autoridade antes de surgir a Revolução Inglesa (1688) e a Revolução Francesa (1789) que instituíram limites ao poder. Bukele está no estágio inicial desse processo: centralizar o território e estabelecer controle sobre o Estado.

Ele próprio já usou a frase: “até um idiota” — entre aspas — consegue administrar uma empresa, pois um dia um idiota assumirá. Se o sistema depender de uma pessoa brilhante, não é sistema de verdade. Países saudáveis criam freios e contrapesos que funcionam mesmo com lideranças medíocres.

Bukele entregou o primeiro passo: reduziu dramaticamente a criminalidade e impôs o monopólio da força estatal onde antes operavam facções armadas. Mas o passo final que definirá seu legado é institucionalizar uma forma de governo que não dependa dele — com alternância, participação popular e equilíbrio entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

Hoje El Salvador está mais seguro, mas igualmente mais centralizado. Resta provar que pode ser ao mesmo tempo seguro e democrático. Que a segurança dure sem sacrificar a liberdade. Que as prisões não sejam eternas demais e que a alternância não seja tabu. Esse será o real teste de maturidade de uma autocracia curiosa que um dia poderá se transformar numa democracia sólida com participação ativa do povo.

No coração da questão está isso: segurança sem liberdade é estabilidade frágil. A autocracia só vale se evoluir para instituições que garantam que o próximo governante, mesmo um “idiota”, não destrua o que foi construído.

João Renato B. Abreu, Policial Penal – DF, mestre em direito e políticas públicas, pós-graduado em direito penal e controle social, coordenador do NISP – Novas Ideias em Segurança Pública, faixa preta de jiu jitsu e autor do livro: Plea Bragaining?! Debate legislativo – Procedimento abreviado pelo acordo de culpa.

Micael Jardim é empreendedor especializado em educação e tecnologia. Criador do Fill the Song e fundador da Lingualize, desenvolve soluções inovadoras para o ensino de inglês e a formação de executivos brasileiros. Com MBA, mestrado em administração e doutorado em finanças, atua há mais de 10 anos como educador, mentor e pesquisador.

Redes Sociais: @joaorenato.br / @micaeljardim

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