Investigar não ofende

No Brasil, existem duas formas de ofender uma autoridade. Existe a mais óbvia: xingá-la em público, como em um aeroporto ou restaurante (jogar ovos ou tomates não é ofensa, é agressão). E existe outra, ainda mais grave, que é investigá-la.

Ser autoridade por aqui, no entendimento das próprias, significa flanar sobre “o sistema”, sobre a lei e sobre a ordem. Ser autoridade significa ser bacana, ser badalado e badalar, ser admirado, amado, idolatrado. Salve. Salve. Significa não sujar o terno em briga, não andar com gente feia e, principalmente, não estar na boca do povo em botequim barato.

A lista de fidalgos e aristocratas que não gostam de ser investigados é extensa, cada um com seu galardão e medalhas. Vem da esquerda, vem da direita, vem de onde mais se pode imaginar. Ele não é o único, nem o pior, mas pelo menos é o mais recente: o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. Pra quem não está situado, explico…

Alguém da Receita Federal teve a ousadia de investigar o ministro e sua mulher, Guiomar Mendes, sob suspeita de “corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência”.

Gilmar Mendes fez o que toda autoridade brasileira de seu quilate faria. Tratou de enquadrar o desgraçado não identificado. Em missiva ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli, Mendes reclama de “estratégia deliberada de ataque reputacional a alvos pré-determinados”. Toffoli, como acontece sempre nesses casos, mandou ofício à Procuradoria-Geral da República e Ministério da Fazenda para que apurem que história é essa de mexer com o colega de Corte.

Gilmar Mendes pode ter razão? Pode, claro. Pode haver um funcionário mal intencionado que acordou querendo constranger um ministro da Suprema Corte? Hum… Quem duvida. Pode, até, haver pessoas organizadas coletivamente com interesse em abalar o moral de um membro do STF para obter vantagens? Aham. Mas pode haver também servidores que identificaram um crime em potencial e foram às investigações que lhe são de dever.

Há muito tempo pipocam em colunas de jornal histórias de relações pouco republicanas entre ministros do Supremo, grandes escritórios de advocacia (muitas vezes envolvendo parentes) e aquela clientela selecionada. Quando isso foi investigado, se o privilégio de foro faz com que ministros só possam ser investigados pelos outros ministros do STF? Quando será investigado? Que mal há em ser investigado, como todo e qualquer brasileiro pode e está sujeito a ser?

Há pouco mais de três semanas, o hoje senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) se aferrou ao foro privilegiado que tanto criticou no passado para não ser investigado na questão envolvendo Queiroz e as suspeitas em seu antigo gabinete da Assembleia Legislativa do Rio – pra ser mais exato, queria ser investigado pelo próprio STF, não exatamente pródigo e célere em emparedar autoridades.

Antes disso, muito antes, petistas tentaram evitar investigações contra si. Antes disso, ainda muito antes, o governo FHC tentou abafar e evitar investigações. Antes disso, mas muito antes…

O brasileiro médio não se envolve com essas coisas. Acha, distante, que isso tudo é brincadeira e joguinho entre poderosos. Que não é da sua conta. Ser investigado não é o fim do mundo. Ser investigado não ofende.

*Adriano Barcelos é jornalista graduado na UFRGS, foi repórter e editor em jornais como Zero Hora, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, além de chefe de comunicação em assessorias de Brasília e Rio de Janeiro.

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