Inevitavelmente, a cada quatro anos, sempre ressurge a ideia da “terceira via”. E o fenômeno é global.
Políticos ao redor do mundo, praticamente sem exceção, mas me arrisco dizer “principalmente no Brasil”, vivem parolando sobre as supostas glórias da “terceira via”, isto é, a adoção de um modelo econômico que não seja nem capitalismo nem socialismo, mas sim uma mistura daquilo que “ambos os sistemas têm de melhor”.
A moda é antiga, mas ganhou especial vigor na década de 1990 nos EUA, na Grã-Bretanha e na Alemanha, com as respectivas eleições de Bill Clinton, Tony Blair e Gerhard Schröder. Desde então, a defesa de tal sistema só se revigora a cada ano, não obstante seus retumbantes fracassos.
O principal objetivo da terceira via é tentar combinar a eficiência econômica do capitalismo com a “justiça social” do socialismo — o que significa, na prática, a imposição de maiores impostos, mais assistencialismo, mais privilégios e mais regulamentações.
Para os adeptos da terceira via, “tradições burguesas” como propriedade privada e economia de mercado são toleradas, mas a economia tem de ser rigidamente regulada e tributada. Cabe aos burocratas do governo intervir no mercado para redistribuir a riqueza criada pelos produtivos e para manter a economia funcionando de acordo com seus desígnios.
Políticas redistributivistas — que envolvem também subsídios para os empresários amigos do regime — são inegociáveis. Uma fatia da renda dos indivíduos realmente produtivos da sociedade deve ser confiscada e redistribuída para os não-produtivos e para os privilegiados com laços governamentais. Grandes empresários se tornam submissos aos interesses do regime e, em troca, são beneficiados por subsídios e políticas industriais, bem como protegidos por tarifas protecionistas.
Em suma, a terceira via é apenas um nome mais pomposo e populista para a manutenção do status quo.
Só funciona, e limitadamente, em economias que já enriqueceram
Ludwig von Mises, ainda em 1921, já havia acabado com essa noção de que você pode combinar o “melhor” do socialismo e do capitalismo. Não existe isso de “o melhor” do socialismo, escreveu ele, pois mesmo a menor quantidade de socialismo distorce o funcionamento de uma sociedade livre.
E, de fato, nem é preciso fazer aqui uma explicação mais elaborada desta tese para que se entenda por que tal afirmação é verdadeira. Todas as coisas que nos enfurecem em nosso dia a dia — utilizar os Correios, encontrar boas escolas públicas, trafegar nas ruas estatais congestionadas, ir ao DETRAN, utilizar a saúde pública, a ausência de saneamento básico, ir a uma repartição qualquer — são, em sua totalidade, operações governamentais.
Já os setores da economia que estão, de um modo geral, livres de amarras governamentais — a indústria tecnológica, o comércio via internet, os serviços de aplicativos e o setor de serviços (aqueles que não são pesadamente regulamentados pelo governo) — funcionam como deveriam.
Economias de mercado prósperas e capitalizadas conseguem aguentar o fardo imposto pelas políticas da “terceira via” com bem mais vigor do que as economias menos desenvolvidas. Por exemplo, a “terceira via” adotada pelas antigas repúblicas socialistas do Leste Europeu destruiu uma década de tentativas de reforma após 1989. E, ainda hoje, a pesada regulação estatal continua aprisionando enormes segmentos da população da América Latina, da África e do Oriente Médio na pobreza.
Criador e criatura
Amartya Sen, que ganhou o Prêmio Nobel de economia em 1998, é considerado o guru do pensamento da “terceira via”. Diz-se que ele colocou uma “face mais humana” na ciência econômica ao introduzir uma “dimensão ética” e uma “preocupação com os pobres” em seus ensaios.
Entretanto, a verdade é que essa “ética” e essa “preocupação” nada têm a ver com o quanto ele pessoalmente contribui para causas caritativas. Tais termos são simplesmente códigos para sinalizar que ele defende a medicina socializada, o agigantamento do assistencialismo e um grande papel do governo em planejar a economia.
A realidade é que todos nós devemos ficar muito atentos a propostas de “uma face mais humana” para a economia. Por algum motivo, essa face invariavelmente se traduz na munheca cerrada do estado. É por isso que Sen escreveu que a prosperidade das nações ocidentais “não é o resultado de nenhuma garantia fornecida pelo mercado ou pela busca por lucros, mas sim devido à seguridade social que o estado ofertou”. Ou seja, segundo Sen, o mundo é próspero porque o estado tributou a riqueza criada.
Interessante também é constatar que os soviéticos nunca foram capazes de gerar prosperidade por meio de sua ampla rede de proteção social.
Ao ler toda a literatura defensora da “terceira via”, a impressão que se tem é a de que o estado, além de ser um grande indutor da criação de riqueza, é também formado por funcionários amorosos, cuidadosos e oniscientes, sempre em prontidão para confortar os angustiados e fornecer seguridade para os marginalizados.
Obviamente, nenhum estado com essas características jamais existiu e jamais irá existir, por uma única razão: a característica única e inconfundível do estado é o seu uso da coerção, da ameaça e da violência, e não a sua oferta de amor. O estado não possui recursos próprios; tudo o que ele adquire é por meio da agressão contra as pessoas e suas respectivas propriedades.
As regulamentações estatais são violentas, pois impedem — ao imporem condições sob pena de processo — que indivíduos façam contratos voluntários entre si e restringem a liberdade de empreendimento em vários setores da economia. Os subsídios, na forma de dinheiro dado diretamente a determinados grupos de interesse, são violentos, pois transferem riqueza de um grupo para outro sem a permissão daqueles. A inflação monetária é uma forma sutil e insidiosa de roubo, pois subtrai poder de compra do dinheiro que o estado nos obriga a utilizar. E nada falarei aqui sobre os impostos para não ferir a decência.
Instabilidade e falta de lógica
A “terceira via” é instável porque as intervenções criam efeitos nocivos e imprevistos, os quais acabam clamando por mais intervenções apenas para serem corrigidos. O resultado é uma inexorável marcha rumo à economia planejada, a menos que alguns passos definitivos sejam dados com o intuito de retroceder o agigantamento do estado.
Uma maneira de contornar esse problema, obviamente, é simplesmente assegurar aos cidadãos que os efeitos ruins do intervencionismo (por exemplo, um menor nível de investimentos) são compensados pelos supostos bons efeitos (toda uma classe de pessoas aliviadas do fardo de ter de trabalhar, por exemplo).
Porém, como podem os “custos sociais” e os “benefícios sociais” de várias políticas serem comparados uns aos outros? Se seguirmos a lógica ensinada pela Escola Austríaca de economia, isso é impossível. O valor de algo é subjetivo; é o produto de cada mente humana individual. Os planejadores sociais não têm acesso a essa informação subjetiva simplesmente porque algo tão pessoal como ‘valores’ não pode ser colocado em equações e sofrer manipulações. É impossível existir algo como “custo social” ou “bem-estar social” em um sentido matemático; tais coisas simplesmente não podem ser computadas.
Adicionar e subtrair valores individuais, e com isso criar um índice de bem-estar geral, é uma impossibilidade — se levarmos a lógica a sério. Porém, no mundo de Amartya Sen, não se pode deixar que a lógica interfira na “face humana”. Em suas teorias sobre custo social, ele defende a ideia de que as “utilidades interpessoais” podem ser comparadas. Afinal, se é para termos um estado amoroso e caridoso, temos então de ter alguns meios para compreender a vontade do povo.
Sen é mais desavergonhado e direto que a maioria de seus colegas, porém é fato que o vício de quase toda a ciência econômica moderna é essa presunção de que os economistas sabem melhor do que as próprias pessoas o que é bom para elas próprias e para toda a sociedade. Entretanto, se realmente quisermos que a vontade do povo prevaleça, nenhum sistema tem chances de gerar um resultado melhor do que a economia de mercado.
Em um livre mercado, toda a produção, trabalho e consumo refletem as escolhas voluntárias de indivíduos que querem melhorar sua situação de vida. Em uma sociedade puramente voluntária, ninguém é forçado a fazer nada que seja contrário a seus objetivos finais individuais, desde que estes sejam buscados de forma pacífica.
Entender genuinamente esse ponto seria, aí sim, começar a pôr uma autêntica face humana na ciência econômica. É o estado quem trata as pessoas como sendo menos do que humanas, como meros objetos a serem manipulados de acordo com a visão que terceiros têm sobre como a sociedade deve funcionar.
Conclusão
A terceira via, quando destituída de toda a sua retórica, nada mais é do que um sistema de concentração de poder e de redistribuição de riqueza, o qual supostamente fará com todas as pessoas produtivas continuem trabalhando duro para bancar todo este arranjo, não obstante o confisco cada vez maior de sua riqueza.
A verdadeira dinâmica da “terceira via” não é o préstimo ou a compaixão: trata-se, ao contrário, da batalha cruel e selvagem pelo controle das alavancas do poder e, consequentemente, de toda a riqueza propiciada por esse poder.
Não é nenhuma coincidência que, tão logo os políticos de qualquer ideologia chegam ao poder, a primeira coisa que eles fazem é falar que são favoráveis à terceira via.