E se a Reforma da Previdência não vingar, o que será de Bolsonaro?

Responda você, amigo eleitor-leitor: qual é a grande causa do governo Jair Bolsonaro (PSL), o que movimenta esse governo, o que faz o presidente vestir seu abrigo e partir todos os dias para o Palácio do Planalto? A pergunta era para ser simples, mas é até bem difícil.

Bolsonaro foi eleito sob propostas pouco claras. Vale lembrar que ele foi atacado pelo esfaqueador de Juiz de Fora (MG) e isso, por recomendação médica e/ou estratégia eleitoral, o poupou dos debates. Quem votou nele preferiu não perguntar o que faria. Ele, se tinha alguma ideia, também guardou pra si. Não tem problema, passou, valeu. Chegou à Presidência.

O deus mercado, essa entidade etérea que muda destinos na velocidade dos milhões que trocam de mãos na Bolsa de Valores, não se contentaria com tanto esconde-esconde. Tratou logo de arrancar alguma coisa. Por ironia, quem amarrou Bolsonaro foi o agora ministro e todo-poderoso Paulo Guedes: “Vamos fazer a Reforma da Previdência”. O presidente, que delegou tudo que não sejam questões morais e político-partidárias ao “posto Ipiranga”, não se fez de rogado. Se Guedes disse, tá dito.

Todo o mistério de Bolsonaro pode ter sido uma eficaz tacada para chegar ao Planalto – mas pode ser uma bomba-relógio em tic-tac para esvaziar seu governo. A explicação, caro amigo, é simples. Ao se comprometer com a reforma da Previdência, e tão somente com a reforma da Previdência, o presidente jogou todas as fichas em uma pauta só.

O mercado entregou o que prometeu: embora frágil e volátil, a Bolsa de Valores alcançou suas máximas históricas nesses dias quentes de verão. Cada soluço sobre a Previdência provoca arrepios de felicidade nos pregões. O caso é que todo o humor pode mudar quando e se a reforma NÃO acontecer. E existem elementos suficientes para acreditar nessa possibilidade. Vamos a eles.

O Brasil, como todas as democracias do mundo, depende de um certo concerto de forças entre o Executivo e o Congresso. Para medir esse nível de harmonia, se convenciona entender a necessidade de uma maioria clara a favor do governo que se inicia. Em muitas democracias, especialmente as parlamentaristas, a maioria é pré-condição para que o governo sequer tome posse.

Pois bem. Bolsonaro tentou algo diferente e inédito. Não dialogou com os partidos para construir uma coalizão. Indicou os ministros a sua imagem e semelhança, garantindo alinhamento ideológico sem se preocupar com os caciques partidários de sempre. Do Congresso, dialogou com a massa amorfa das bancadas temáticas (da Bala, da Bíblia, Ruralista e etc), formadas por parlamentares nem sempre destacados em seus próprios partidos.

Ninguém poderá dizer que a intenção não foi boa. O brasileiro médio não tem mais paciência para o tal toma-lá, dá-cá. Esse loteamento da máquina pública, elevado à enésima potência nos governo petistas, é visto por muitos como uma das razões da corrupção endêmica que afoga a República. Mas há um problema: não vai funcionar. Ou, pelo menos, tem tudo pra não funcionar.

As razões são objetivas. Pra um deputado “ser governo”, é preciso comprometê-lo como o governo, fazer com que ele saia pra rua dizendo que o governo é seu. Ter indicados, espaços de poder e margem para alocar valores importantes do Orçamento da União para suas bases eleitorais foram, são e serão, pelo menos no Brasil, a maneira mais eficaz de construir a base governista e a maioria.

As bancadas temáticas formam uma base fluída. Ninguém tem dúvidas de que a “Bancada da Bala” está com Bolsonaro. Mas apenas nos assuntos que se referem a ela, “a Bala”. O mesmo, com os ruralistas. O mesmo, também, com os evangélicos. Ninguém que estampar outdoor da CUT em seus estados de origem como inimigos do direito das pessoas de se aposentarem. Não farão isso. Pelo menos não, de graça. Não se tiverem uma alternativa – votar não.

Você agora me pergunta se não vai passar a reforma da Previdência. Até a CUT. Até o PT. Até o Lula. Todos sabem que algum tipo de reforma precisa ser feito. O ex-presidente até fez estudos sobre o assunto no seu mandato. Mas o caso é que, diante desse cenário pouco animador de base aliada líquida, a reforma que passar, se passar, não será a dos sonhos de Paulo Guedes. E, também, não será a reforma que o mercado gostaria de ver.

E, não passando, o que será de Bolsonaro? O que ele fará no dia seguinte, se derrotado no Congresso com o qual não dialoga? O governo não chegou ao seu primeiro carnaval e já está sob ameaça de uma Quarta-Feira de Cinzas de três anos ou mais de duração.

Ao apostar na Reforma da Previdência como única plataforma capaz de impulsionar a economia e destravar o país, o presidente colocou todos os ovos dentro de uma mesma cesta. É melhor não tropeçar.

*Adriano Barcelos é jornalista graduado na UFRGS, foi repórter e editor em jornais como Zero Hora, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, além de chefe de comunicação em assessorias de Brasília e Rio de Janeiro.

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