A cena é comum: da sua poltrona você assiste pela TV a alguma tragédia distante. Pode ser uma enchente, pode ser um incêndio. Pode ser até um terremoto. Lá pelas tantas, entre repórteres e especialistas, aparecem eles, lá do alto. São os políticos, presidentes, governadores, de dentro de um helicóptero olhando a área atingida e “coordenando” as atividades de socorro às vítimas e a atuação da Defesa Civil para “reconstruir” as casas dos flagelados.
Eu sei, você sabe: se em vez do político consumindo combustível – cada hora de voo de helicóptero custa mais de R$ 2,5 mil no mercado corporativo – fosse um técnico ou servidor qualificado para desenvolver estratégias de ação, provavelmente o resultado seria melhor.
Indo além. Que diferença faria se o político em questão, governador ou presidente, “coordenasse” as atividades de terra? Há diferença, sim. Obviedades a parte, sem voo de helicóptero, não haveria imagem do político sobrevoando a região de helicóptero. Não é uma regra, não está escrito em nenhum manual. Mas o político na TV, filmado dentro da aeronave, aproveita uma oportunidade de autopromoção e, ao mesmo tempo, “tranquiliza a sociedade”. Ele passa a ideia de que sim, se importa com seus governados e, mais que isso: está em movimento, “trabalhando”.
Se trata de um dos muitos clichês, ritos do Circo do Poder. Existem outros. Como a trégua que cada eleito ganha, pelo período de 100 dias, para “ajeitar a casa”. Ou o ato de “cortar a fita” quando a obra está pronta. Da mesma forma que não há uma lei que obrigue o político a fazer as coisas dessa maneira, existe uma certa pressão pra que as coisas sejam assim. Invisível, talvez. A política é uma atividade midiatizada e a mídia favorece atos “simbólicos”.
Não sabe o que isso significa? Vamos lá: você já ouviu o surrado ditado que diz que “uma imagem vale mais que mil palavras”? Pois bem. Por que isso é verdade? Porque uma imagem sintetiza uma ideia com bem mais clareza e eficiência do que um texto, verbalizado ou escrito. A imagem do helicóptero é um símbolo e, como símbolo, é repetida e repetida e repetida…
Mas e o que acontece quando o político não cumpre o ritual? Facilmente recai sobre ele a pecha de insensível. A oposição critica “o descaso” com a tragédia do momento. As colunas de política “cobram” a presença do político como “uma demanda da comunidade, que está desassistida”. A liberação de recursos e o atendimento a possíveis vítimas às vezes demoram, às vezes não são verificáveis por não chegar à ponta, às pessoas a que se destinam. Assim, como evitar a crítica e passar a mensagem favorável? Voando de helicóptero, oras…
Diante desse jogo perverso, seria de bom tom que a sociedade, o respeitável público, refletisse e resistisse aos símbolos sem sentido. A mídia, idem. Com a tragédia de Brumadinho (MG), a barragem da mineradora Vale que se rompeu na sexta-feira, é bem possível que haja revoada dos políticos já neste fim de semana.
Afinal, ninguém é de ferro.
*Adriano Barcelos é jornalista graduado na UFRGS, foi repórter e editor em jornais como Zero Hora, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, além de chefe de comunicação em assessorias de Brasília e Rio de Janeiro.