Durante décadas, a arte foi sinônimo de confronto, liberdade e ousadia. Era na música, no teatro, no cinema e na poesia que surgiam as críticas mais contundentes à sociedade, aos governos, às ideologias — sem lado, sem rótulo. Artistas como Cazuza, Renato Russo e Raul Seixas apontavam o dedo na ferida de todos, sem medo de perder aplausos. Eles incomodavam — e, por isso mesmo, faziam arte de verdade.
Hoje, o cenário é outro. Grande parte da classe artística foi cooptada. A crítica deu lugar ao alinhamento. Até a comédia tem que estar alinhada ao politicamente correto. O artista, que antes era livre, agora parece seguir uma cartilha. A ousadia foi substituída pelo medo de desagradar. E a arte, que antes provocava reflexões, virou apenas eco das ideias do próprio público.
Raul Seixas já ironizava essa tendência nos anos 70:
“Mas é que se agora
Pra fazer sucesso
Pra vender disco de protesto
Todo mundo tem que reclamar…”
Hoje, muitos ainda “reclamam” — mas só do que é permitido. A crítica se tornou seletiva. Rebeldia, agora, virou estética de perfil verificado nas redes sociais. Em 2021, artistas levantavam a bandeira da Amazônia com entusiasmo. Já em 2025, com a floresta queimando ainda mais, o silêncio é ensurdecedor. Onde está a indignação? Sumiu junto com a conveniência política.
O problema não é a arte ser ideológica. O problema é ela ser covarde. A arte morre quando perde seu instinto mais essencial: o da honestidade intelectual. Quando deixa de incomodar para apenas agradar um lado, ou uma bolha. Quando troca a coragem pela conveniência.
Hoje, a maioria dos artistas posa como “consciência crítica”, mas atua como relações públicas de uma única visão de mundo. Quem foge dessa regra — como Lobão — é tratado como traidor e empurrado para fora do palco.
Pior ainda: em alguns casos, a “rebeldia” virou apologia ao crime. Parte do que hoje se apresenta como contestação apenas estimula o ódio ao Estado e enaltece o poder paralelo — o do tráfico, o da violência, o da intimidação. A incoerência assusta: questionar urnas é visto como ameaça à democracia, mas um ministro entrar numa área dominada por facções não é tratado como afronta à soberania nacional.
A arte virou ruído. Virou vandalismo pintado como expressão. Virou discurso raso de ódio disfarçado de empatia. Virou entretenimento inofensivo travestido de resistência.
A arte morreu quando deixou de ser crítica pra virar conveniência. Quando trocou o incômodo pela curtida. Quando parou de incomodar o poder — e começou, apenas, a servi-lo.
* João Renato B. Abreu, Policial Penal – DF, mestre em direito e políticas públicas, pós-graduado em direito penal e controle social, coordenador do NISP – Novas Ideias em Segurança Pública, faixa preta de jiu jitsu e autor do livro: Plea Bragaining?! Debate legislativo – Procedimento abreviado pelo acordo de culpa.
Micael Jardim, professor, MBA, mestre em administração de empresas e doutor em finanças. Com mais de 10 anos de experiência em educação, dedica-se ao ensino e à orientação acadêmica, ajudando alunos em suas trajetórias de aprendizado e pesquisa. Fundador da Lingualize, uma plataforma especializada no ensino de inglês para executivos brasileiros.
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