Derrota de Milei em Buenos Aires revela resistência às reformas e o desafio de construir instituições sólidas

*Por João Renato e Micael Jardim

A eleição deste domingo na província de Buenos Aires trouxe um duro golpe para Javier Milei. A coalizão peronista Fuerza Patria conquistou 46,8% dos votos, contra 33,8% de La Libertad Avanza, uma diferença de 13 pontos percentuais. Buenos Aires concentra cerca de 40% do eleitorado argentino, o que dá ao resultado um peso nacional significativo. A derrota, às vésperas das eleições legislativas de 26 de outubro, enfraquece Milei e sinaliza uma rejeição às mudanças estruturais que ele tenta implementar.

Desde que assumiu a presidência, Milei promoveu uma série de reformas liberalizantes: cortes de subsídios, abertura comercial, privatizações e uma política monetária rigorosa para controlar a inflação. Em termos econômicos, os números mostram progresso. A inflação, que em dezembro de 2023 ultrapassava 210% ao ano, caiu para cerca de 45% ao ano em agosto de 2025. O déficit fiscal, que estava em torno de 5% do PIB, foi zerado no primeiro semestre, e o peso se estabilizou após anos de forte desvalorização.

No entanto, essas mudanças exigiram ajustes profundos. Tarifas de energia subiram mais de 150% em algumas cidades, passagens de transporte público aumentaram em até 120%, e programas sociais foram revisados, afetando milhões de pessoas. O setor público perdeu mais de 50 mil postos de trabalho, e a economia entrou em recessão técnica, com queda de 2,4% do PIB no segundo trimestre.

Essas medidas, que são positivas do ponto de vista econômico e social no longo prazo, criam dor no curto prazo. Reduzir a presença do Estado significa devolver liberdade e responsabilidade ao indivíduo. Porém, como já alertava Hayek, em situações de crise, parte da população tende a rejeitar essa liberdade e buscar segurança no Estado, mesmo que isso implique abrir mão da autonomia. É o que se vê na Argentina: muitos preferem manter subsídios, empregos estatais e proteções corporativas, mesmo sabendo que o modelo é insustentável.

Essa resistência não é apenas econômica, mas política. Sindicatos, partidos tradicionais e grupos beneficiados pela máquina estatal têm grande capacidade de mobilização. Em abril, uma greve geral paralisou transporte, escolas e bancos em Buenos Aires, em protesto contra as reformas. A força dessas estruturas dificulta a implementação de mudanças que, embora necessárias, contrariam interesses consolidados.

No mundo ideal, uma sociedade livre, com mercados funcionando e indivíduos tomando decisões responsáveis, gera prosperidade e justiça por si só. Porém, a realidade política mostra que reformas liberais não avançam apenas por mérito econômico. Daron Acemoglu demonstra, com base em estudos históricos, que países que prosperaram construíram instituições inclusivas, capazes de equilibrar poder político e econômico. Quando isso não acontece, maiorias podem entregar poder a líderes autoritários, que concentram decisões e sufocam a liberdade.

A derrota de Milei indica que a Argentina enfrenta não apenas um desafio econômico, mas institucional. É necessário criar um sistema de freios e contrapesos que proteja a liberdade individual e permita que reformas avancem de forma sustentável. Isso significa limitar a interferência do Estado na economia, mas também evitar que grupos organizados capturem o poder para defender privilégios.

Sem essa estrutura, o país permanecerá preso a ciclos de crise: promessas de reformas seguidas por retrocessos populistas. Para que a economia prospere, a vontade da maioria seja respeitada e as minorias tratadas com justiça, a Argentina precisa de um projeto de longo prazo que combine liberdade econômica com responsabilidade política. Milei abriu a porta para essa transformação, mas os resultados das urnas mostram que a caminhada será longa e cheia de resistência.

João Renato B. Abreu, Policial Penal – DF, mestre em direito e políticas públicas, pós-graduado em direito penal e controle social, coordenador do NISP – Novas Ideias em Segurança Pública, faixa preta de jiu jitsu e autor do livro: Plea Bragaining?! Debate legislativo – Procedimento abreviado pelo acordo de culpa.

*Micael Jardim é empreendedor especializado em educação e tecnologia. Criador do Fill the Song e fundador da Lingualize, desenvolve soluções inovadoras para o ensino de inglês e a formação de executivos brasileiros. Com MBA, mestrado em administração e doutorado em finanças, atua há mais de 10 anos como educador, mentor e pesquisador.

Redes Sociais: @joaorenato.br / @micaeljardim

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