PEC da Segurança Pública: Uma Proposta Centralizadora e Ineficiente

*Por João Renato

A segurança pública no Brasil, uma das questões mais sensíveis e complexas da atualidade, tem sido alvo de debates e propostas há décadas. O crescimento das organizações criminosas, o tráfico de drogas e a violência generalizada exigem respostas coordenadas e eficazes. Contudo, a recente Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública, apresentada pelo governo Lula, levanta uma série de questionamentos e acende alertas para o futuro do setor. Embora a proposta busque melhorias no combate à violência, a PEC acaba por concentrar poder nas mãos do governo federal e adia soluções práticas para os reais problemas das forças de segurança.

Centralização do Poder: A PEC e o Governo Federal

Um dos principais problemas da PEC da Segurança é o fortalecimento do poder da União sobre as questões de segurança pública. A proposta sugere a criação de um Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), registrando-o na Constituição, e centralizando a gestão das políticas de segurança no governo federal. Embora a ideia de integrar ações entre os estados, municípios e a União pareça positiva em teoria, a execução prática dessa centralização pode resultar em uma diminuição da autonomia das polícias estaduais, que conhecem de perto as realidades locais.

Em um país com dimensões continentais e realidades tão distintas — como as enfrentadas, por exemplo, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul —, essa concentração de poder nas mãos da União corre o risco de tornar as políticas de segurança ainda mais distantes das necessidades concretas de cada região. A coordenação e integração são necessárias, mas isso não deve significar a retirada da autonomia de quem lida diretamente com os problemas do dia a dia, como as polícias militares e civis.

A Falta de Planejamento Estratégico

A PEC também falha ao tratar a segurança pública como um problema exclusivamente estrutural. Na realidade, a questão central não é a falta de um modelo unificado ou de uma nova instância constitucional, mas sim a falta de planejamento estratégico e de execução. O que as forças de segurança realmente necessitam são políticas públicas mais bem formuladas e um plano de ação robusto para combater o narcotráfico, fortalecer a inteligência policial e integrar de maneira eficaz os diferentes órgãos de segurança.

Em vez de alterar a Constituição, é mais urgente que o governo federal se concentre na implementação de ações concretas para fortalecer a atuação das polícias, como aumentar o efetivo, melhorar os salários e fornecer melhores condições de trabalho, além de combater a corrupção dentro dos próprios órgãos de segurança e da justiça.

O Falso Debate sobre o Desencarceramento

Outro ponto crítico da PEC é a possibilidade de ela abrir caminho para a ampliação da política de desencarceramento, algo que já se mostrou ineficaz na prática e prejudicial à segurança. Com a União assumindo mais responsabilidades sobre os presídios, pode-se temer uma expansão de políticas de “liberação” de presos, como as defendidas por setores da esquerda, em detrimento da segurança da população.

Em um contexto de alta violência e impunidade, medidas como a redução do encarceramento podem enviar uma mensagem perigosa de que crimes graves não resultam em punições severas. A sociedade brasileira, já acostumada com o crescimento das facções criminosas, não pode se dar ao luxo de flexibilizar ainda mais a resposta estatal à criminalidade.

A Sobrecarregada Polícia Federal

A PEC também propõe expandir significativamente as funções da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF), o que gera sérios riscos de sobrecarga nas instituições já deficientemente equipadas. A PF, por exemplo, passaria a atuar em uma gama ainda maior de áreas, como o combate a crimes ambientais e organizações criminosas com repercussão interestadual. Embora seja fundamental ampliar o combate ao crime organizado, não se pode ignorar que a PF já está operando no limite de suas capacidades.

Em vez de atribuir novas funções, seria mais prudente reforçar o orçamento da PF e da PRF, aumentando a eficácia nas suas funções atuais, como o combate ao tráfico de drogas nas fronteiras e a repressão ao crime organizado. Isso exigiria um investimento robusto em tecnologia, treinamento e inteligência, o que é muito mais urgente do que uma reforma constitucional.

A PEC e a Falta de Diálogo

Por fim, a PEC da Segurança Pública demonstra uma clara falta de diálogo com as autoridades estaduais e com as próprias corporações policiais. Governadores de diversos estados, assim como representantes de entidades da segurança pública, têm se manifestado contra a proposta, alegando que a falta de um debate amplo e transparente resultará em mais ineficiência e resistência à implementação das políticas sugeridas.

Em vez de impor uma reforma constitucional sem o devido debate, o governo deveria ouvir mais atentamente as sugestões dos especialistas e das autoridades locais. A segurança pública precisa ser tratada com urgência e de forma articulada entre os diversos níveis de governo, mas a centralização excessiva do poder e a falta de consenso só tendem a agravar a crise.

Conclusão: Uma Proposta Inadequada

A PEC da Segurança Pública proposta pelo governo Lula não é a solução para o caos da segurança no Brasil. Ao invés de promover uma verdadeira reforma no setor, a proposta parece mais uma tentativa de centralizar o poder nas mãos da União, o que pode prejudicar a autonomia das forças estaduais e a eficácia das políticas de segurança. O que o país precisa não são mudanças constitucionais desnecessárias, mas sim políticas públicas bem estruturadas, investimentos reais na segurança e, acima de tudo, vontade política para enfrentar o crime de forma integrada e eficaz.

A PEC pode até ser vista como uma tentativa de dar uma resposta rápida a uma crise profundamente enraizada, mas ela falha em abordar as questões mais urgentes e acaba se tornando mais um obstáculo do que uma solução.

João Renato B. Abreu, Policial Penal – DF, mestre em direito e políticas públicas, pós-graduado em direito penal e controle social, coordenador do NISP – Novas Ideias em Segurança Pública, faixa preta de jiu jitsu e autor do livro: Plea Bragaining?! Debate legislativo – Procedimento abreviado pelo acordo de culpa.

Redes Sociais: @joaorenato.br

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