*Por João Renato
A Câmara dos Deputados agitou o cenário da Segurança Pública nesta terça-feira (18.nov.2025) ao aprovar o Projeto de Lei (PL) Antifacção, que propõe a criação do Marco Legal do Combate ao Crime Organizado. O texto, relatado pelo Deputado Federal Guilherme Derrite (PP-SP) e aprovado por 370 votos a favor, segue agora para o Senado, carregado de pontos que endurecem drasticamente o enfrentamento às grandes estruturas criminosas e, de quebra, esquentaram a relação com o Governo Federal.
Apesar de ser originário de uma proposta do Governo Lula, o substitutivo de Derrite, que teve seis versões diferentes, foi votado sem acordo com o Executivo. A base governista criticou a descaracterização do projeto original, em especial a nova divisão de recursos provenientes de bens apreendidos.
🚨 Endurecimento Penal: O Foco nas “Organizações Criminosas Ultraviolentas”
O coração do PL está em sua nova tipificação e no aumento de penas, mirando as Organizações Criminosas Ultraviolentas — termo escolhido pelo relator para se referir às facções e milícias.
1. Caracterização da Organização Criminosa Ultraviolenta (Facção)
O PL define este grupo como o ajuntamento de 3 ou mais pessoas que emprega violência, grave ameaça ou coação para impor controle territorial, intimidar populações/autoridades, ou atacar serviços e infraestruturas essenciais.
2. Criação do Crime de Domínio Social Estruturado
Este é o novo tipo penal mais relevante, destinado a punir crimes cometidos por integrantes de facções, milícias ou grupos paramilitares.
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Pena Severa: A reclusão varia de 20 a 40 anos.
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Condutas Abrangidas: Incluem o uso de violência para impor controle sobre territórios, a restrição da livre circulação (com barricadas, por exemplo), a imposição de controle social para atividades econômicas (como a cobrança por serviços ilegais como o “gatonet”) e a sabotagem de transportes.
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Agravantes: A pena pode ser aumentada se o agente for líder da organização (com cumprimento em presídio de segurança máxima), responsável por levantar fundos, ou se os crimes forem cometidos contra autoridades (MP, Judiciário, Agentes de Segurança), crianças, adolescentes, idosos ou pessoas com deficiência. O uso de drones ou VANTs também é um agravante.
3. Figura Típica Autônoma (Para Não Integrantes)
O projeto cria um tipo penal para quem cometer os mesmos delitos de “Domínio Social Estruturado”, mas sem ser comprovadamente integrante da organização. Isso visa simplificar a acusação em casos onde a prova do vínculo é complexa.
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Pena: Reclusão de 12 a 30 anos.
4. Favorecimento ao Domínio Social Estruturado
Busca punir o auxílio às facções e milícias, como dar abrigo, distribuir comunicações, ou guardar armas e explosivos.
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Pena: Reclusão de 12 a 20 anos, além de multa.
5. Restrições e Consequências Legais
Os delitos do Domínio Social Estruturado são equiparados a Crimes Hediondos e são insuscetíveis de:
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Anistia, graça e indulto.
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Fiança ou livramento condicional.
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Auxílio-Reclusão: Dependentes de integrantes das facções, milícias ou grupos paramilitares não poderão receber o benefício.
📈 Penas Mais Duras para Crimes do Código Penal
O PL também eleva drasticamente as penas para diversos crimes do Código Penal quando praticados por integrantes dessas organizações ultraviolentas. A mudança mais notável é a equiparação de crimes graves a uma pena máxima de 40 anos:
| Crime | Pena Atual (Geral) | Nova Pena (Cometido por Facção/Milícia) |
| Homicídio Doloso | 6 a 20 anos | 20 a 40 anos |
| Lesão Corporal Seguida de Morte | 4 a 12 anos | 20 a 40 anos |
| Roubo Seguido de Morte (Latrocínio) | 20 a 30 anos | 20 a 40 anos |
| Sequestro ou Cárcere Privado | 1 a 3 anos | 12 a 20 anos |
| Roubo | 4 a 10 anos | 12 a 30 anos |
| Extorsão | Aumento do triplo das penas |
💸 O Sufocamento Financeiro e a Polêmica da Divisão de Recursos
Um dos principais pontos de atrito com o Governo Federal reside na destinação dos bens apreendidos. O sufocamento financeiro das facções foi mantido, mas a divisão dos recursos foi alterada:
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Perdimento Extraordinário de Bens: O juiz pode decretar a perda de bens de origem ilícita durante o inquérito, antes mesmo da condenação.
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Intervenção Judicial em Empresas: Se houver indícios concretos de que uma Pessoa Jurídica está sendo beneficiada pelo crime organizado, o juiz pode afastar os sócios e decretar a intervenção judicial.
Nova Divisão de Recursos (O Ponto de Discordância)
O relator manteve a divisão dos recursos provenientes de bens apreendidos após a liquidação definitiva:
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Investigação Estadual: 100% para o Fundo de Segurança Pública Estadual/Distrital.
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Investigação Federal (PF): 100% para o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP).
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Operação Conjunta: Divisão de 50% para o FNSP e 50% para o fundo Estadual/Distrital.
A base governista critica essa divisão, alegando que ela reduz o volume de recursos destinado à Polícia Federal (PF), que originalmente seriam destinados ao FUNAPOL (Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da PF).
⛓️ Outras Mudanças Chave na Execução Penal e Processo
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Banco Nacional de Dados: Criação de uma base unificada para identificar e registrar pessoas físicas e jurídicas integrantes, colaboradoras ou financiadoras de organizações criminosas.
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Monitoramento de Parlatórios: Altera a Lei de Execução Penal para permitir a captação audiovisual e gravação de encontros no parlatório (ou virtual) de presos ligados a facções/milícias e seus visitantes. Comunicações entre advogado e cliente podem ser monitoradas com autorização de um juiz de controle.
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Progressão de Regime Mais Rigorosa: Aumenta o tempo necessário para a progressão. Em casos de reincidência em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, o preso pode ter que cumprir até 85% da pena.
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Audiência de Custódia por Videoconferência: O Código de Processo Penal é alterado para que a audiência de custódia seja realizada, em regra, por videoconferência, visando redução de custos.
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Voto de Presos Provisórios Proibido: Emenda aprovada, de autoria do Novo, proíbe que todos os presos, incluindo os provisórios, votem em eleições. A constitucionalidade deste ponto é questionada até mesmo por quem o aprovou.
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Participação do MP em Forças-Tarefa: É estabelecida a participação do Ministério Público nas forças-tarefa, inclusive através de Procedimentos Investigatórios Criminais (PICs) conduzidos pelo GAECO.
O PL Antifacção segue para o Senado Federal, onde será relatado pelo Senador Alessandro Vieira (MDB-SE). A tramitação promete continuar acalorada, com o debate focado na eficácia das penas propostas e na polêmica divisão de recursos entre a União e os Estados.
E você, leitor? Acha que as novas tipificações e o endurecimento penal serão eficazes no combate ao domínio social imposto pelas facções e milícias?
João Renato B. Abreu
Policial Penal – DF
Mestre em direito e políticas públicas
Pós-graduado em direito penal e controle social
Coordenador do NISP – Novas Ideias em Segurança Pública
Faixa preta de jiu jitsu
Autor do livro Plea Bragaining?! Debate legislativo – Procedimento abreviado pelo acordo de culpa
